10 poemas memoráveis de Manuel Bandeira

Manuel Bandeira (1886-1968) foi um dos maiores poetas brasileiros, mais conhecido do grande público por suas famosas obras Vou-me Poder pra Pasárgada e Os sapos.

Mas a verdade é que, além dessas duas grandes criações, há uma série de preciosidades pouco conhecidas na obra do poeta.

Para preencher essa lacuna, selecionamos 10 poemas memoráveis ​​do escritor modernista Manuel Bandeira com suas respectivas explicações.

Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcaloide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

Eis o mais consagrado poema de Bandeira: Vou-me embora pra Pasárgada. Aqui encontramos um inegável escapismo, um desejo de evasão, de sair da sua condição atual rumo a um destino altamente idealizado.

O nome do local não é gratuito: Pasárgada era uma cidade persa (para sermos mais precisos, foi a capital do Primeiro Império Persa). É ali que o sujeito poético se refugia quando sente que não consegue dar conta do seu cotidiano.

Tradicionalmente esse gênero de poética que procura a liberdade propõe uma fuga para o campo, na lírica do poeta modernista, no entanto, há vários elementos que indicam que essa fuga seria em direção a uma cidade tecnológica.

Em Pasárgada, esse espaço profundamente desejado, não existe solidão e o eu-lírico pode exercer sem limites a sua sexualidade.

Pneumotórax

Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:
— Diga trinta e três.
— Trinta e três… trinta e três… trinta e três…
— Respire.

— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

Esse breve poema também muito conhecido do autor carrega no título o nome de um procedimento médico. Ao longo das primeiras linhas vemos uma série de sintomas.

Se na primeira estrofe o doente sofre sozinho, na segunda assistimos a uma consulta com o médico. O doutor dá instruções ao paciente na tentativa de conseguir diagnosticar a doença.

Por fim, assistimos a triste constatação. O paciente ainda tenta encontrar uma saída para o seu problema, mas o médico, é irredutível.

Com num tom poético e ao mesmo tempo irônico, aponta a música como única solução possível.

Os sapos

Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
– “Meu pai foi à guerra!”
– “Não foi!” – “Foi!” – “Não foi!”.

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: – “Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinquenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.

Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas…”

Urra o sapo-boi:
– “Meu pai foi rei!”- “Foi!”
– “Não foi!” – “Foi!” – “Não foi!”.

Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
– A grande arte é como
Lavor de joalheiro.

Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo”.

Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
– “Sei!” – “Não sabe!” – “Sabe!”.

Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;

Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é

Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio…

O poema Os sapos foi criado em 1918 e deu o que falar ao ser declamado por Ronald de Carvalho durante a emblemática Semana de Arte Moderna de 1922.

Numa crítica clara ao parnasianismo (movimento literário que definitivamente não representava o poeta), Bandeira constrói esse poema irônico, que tem métrica regular e é profundamente sonoro.

Trata-se aqui de uma paródia, uma maneira divertida de diferenciar a poesia que o escritor praticava daquela que vinha sendo produzida até então.

Os sapos são, na verdade, metáforas para os diferentes tipos de poetas (o poeta modernista, o vaidoso poeta parnasiano, etc). Aos longo dos versos vemos os animais dialogarem sobre como se constrói um poema.

Poética

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. Diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o
cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas

Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de excepção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora
de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário
do amante exemplar com cem modelos de cartas
e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

– Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

Nos versos de Poética, Manuel Bandeira se debruça sobre o próprio processo de escrita do poema. Aqui enfatiza o que aprecia e o que tem repulsa no âmbito da lírica.

Tido como um dos mais importantes poemas do Modernismo brasileiro, Poética é um retrato não só da poética de Manuel Bandeira como também de toda uma geração de escritores que não se identificava com o que vinha sendo produzido até então.

Escrito quase como uma espécie de manifesto, por um lado Bandeira nega uma composição rígida, severa, que cumpre normas rigorosas (como faziam os parnasianos) enquanto, por outro lado, celebra os versos livres, a linguagem informal e a tão contemporânea sensação de liberdade experimentada pelos poetas.

O último poema

Assim eu queria o meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

A morte é um tema frequente na poética de Bandeira, assim como, em termos estéticos, podemos apontar o uso de versos livres.

O último poema condensa essas duas características do poeta, que pretende estabelecer com o leitor uma relação de cumplicidade.

Os versos acima são característicos de um metapoema, ou seja, de uma lírica que fala sobre ela mesma. O poeta tenta, num tom quase de desabafo, dizer sobre aquilo que gostaria de inserir em sua última obra.

O interessante é perceber que ao dizer como gostaria de construir o seu poema, o sujeito poético já constrói o próprio poema.

Teresa

A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna

Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)

Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.

Esse é um poema de amor de Manuel Bandeira. Ao criar Teresa, o poetademonstrou como se dá o encontro amoroso.

Desmistificando a noção de amor à primeira vista, o sujeito transparece no poema exatamente o que sentiu a primeira vez que encontrou Teresa.

Da segunda vez que se viram também o sujeito parece ter percebido algo mais profundo em Teresa, um olhar sábio, profundo e duradouro.

É na última estrofe que testemunhamos seu encantamento, que já não consegue mais descrever a parceira e sim o turbilhão de afetos provocado pela presença dela.

O impossível carinho

Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo
Quero apenas contar-te a minha ternura
Ah se em troca de tanta felicidade que me dás
Eu te pudesse repor
-Eu soubesse repor –
No coração despedaçado
As mais puras alegrias de tua infância!

Um poema de amor que recorre aos sentimentos vividos durante a infância, esse é o mote que move O impossível carinho. O eu-lírico não deixa transparecer nenhum aspecto físico ou psicológico da amada, o que sabemos são apenas descrições do sentimento que o arrebata.

Já pela primeira palavra vemos que o sujeito se dirige a alguém, a dona do seu afeto. É com ela que ele deseja partilhar o seu mais íntimo desejo resultante de gratidão. A moça faz com que ele se sinta tão bem que o que brota nele é a vontade de retribuir tudo de bom que recebe.

As alegrias da infância são o oásis sonhado, o lugar de plenitude que o sujeito poético pretende oferecer à amada como forma de agradecimento.

 Arte de amar

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus – ou fora do mundo.

As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

Esse poema de amor de Bandeira é marcado por uma tristeza e por uma alegria: observamos ao longo dos versos a falta de comunicação dos amantes, por outro lado, celebramos o fato dos corpos se entenderem apesar das limitações.

O sujeito lírico aqui parte do pressuposto de uma divisão básica entre a alma e o corpo. A alma, segundo ele, só é capaz de encontrar sossego em Deus ou no sobrenatural e não em algum ser humano.

Diante dessa lamentável condição, o poema sugere que os corpos – ao contrário das almas – são capazes de se entenderem. O título Arte de amar, versa justamente sobre a oposição corpo e alma e sobre o lugar dos afetos nessa equação.

Desencanto

Eu faço versos como quem chora
De desalento… de desencanto…
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente…
Tristeza esparsa… remorso vão…
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
— Eu faço versos como quem morre.

Desencanto é considerado um metapoema, ou seja, um poema que procura descrever o próprio processo de criação literária.

Nos versos acima é como se o leitor fosse convidado a visitar o escritório do poeta e entender as engrenagens que movem a escrita.

A literatura, nesse caso, é tida como uma espécie de válvula de escape, o lugar onde o sujeito encontra alento para o seu profundo sofrimento.

Através da leitura do poema conseguimos enxergar a dor e o desemparo do poeta, que labuta para transformar os seus transtornos pessoais em palavras.

Consoada

Quando a Indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
— Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.

O poema, todo construído a partir de uma metáfora, trata de um tema duro: a preparação para a chegada da morte. A escolha do título é bastante simbólica, pois “consoada” é o banquete que acontece na noite de Natal ou na véspera do Ano-Novo.

O tom da escrita é de informalidade, de intimidade e de espontaneidade, mostrando como transparece as possíveis reações que ele teria com a chegada da morte. Os versos, aliás, se constroem com base em duas oposições-chave: a vida e a morte, o dia e a noite.

Podemos concluir que, embora pareça conformado com a inevitável chegada da morte, o poeta não deseja a sua chegada.

livros-online.org
Deixe um comentário